Friday, March 30, 2007

caras-pálidas

Quando desembarcou do avião , os rostos das pessoas surpreenderam-na – não estava habituada mas a partir de agora seria assim. Por opção sua , porque decidira ir conhecer África e trabalhar aí. Ficou dois dias em Luanda, onde não conhecia ninguém , até apanhar um outro avião para atravessar o país até ao extremo norte e fazer ainda mais uns 100kms de carro até chegar à sua nova morada. Onde não havia lojas , nem sinais de transito, nem filas de carros, nem televisão, nem publicidade, nem telefones. Apenas estradas intermináveis, com poucas ou nenhumas curvas , o capim, alguma aldeia nativa ao longe e pouco mais…
A empresa atribuía casa para os funcionários e distribuía os géneros em função do agregado familiar. Na sua casa havia mais duas mulheres – Rosa a psicóloga negra educada no Zaire e Isabel uma tradutora portuguesa , que estava de férias nessa altura.
Foi-se instalando e adaptando às novas funções e aos novos hábitos. Rosa era uma pessoa tranquila, perspicaz e inteligente, gostando de ter a casa em ordem e da sua privacidade
.
Quando Isabel chegou de férias, começou a confusão e o desrespeito – barulho a toda a hora, o namorado que vivia noutra casa a entrar e a sair, roupas por todo o lado e louça sempre suja na cozinha, a casa de banho ocupada por longas horas para os seus intermináveis banhos que deixavam as outras sem água quente na caldeira…
Ela e Rosa pediram para mudar de casa. Muitos a criticaram , por ir morar com a preta, mas as duas entendiam-se bem e em pouco tempo partilhavam as refeições e assim se habituou a novos paladares, às astúcias da cozinha africana e a saborear outros pratos que desconhecia. Através de Rosa pôde visitar a aldeia nativa ali perto, falar com as pessoas e conhecer aspectos da cultura africana que de outra forma estariam vedados à sua cara de branca, vinda de Lisboa. Nunca teve qualquer problema, apesar de se deslocar muitas vezes sozinha por tudo o que era sítio, porque as suas funções assim o exigiam. Por vezes , tinha mesmo de ir avisar o Segurança que ia sair no dia seguinte antes de terminar o recolher obrigatório e ouvia-o dizer com um sorriso : “na senhora ninguém atira, não”…
Há dias , viu um documentário sobre Luanda, feito por um português-angolano. Depois, assistiu ao programa de Paula Moura Pinheiro que tinha por convidados esse jovem cineasta, que vive por cá há uns vinte anos e Lura que nasceu em Lisboa , filha de pais caboverdianos que correu mundo entoando canções da sua terra de origem. Duas caras negras que apesar de famosos, são ainda por vezes descriminados, num país que é o deles e onde deveria haver respeito por outras cores e outras raças, outros povos, país de emigrantes que somos. Lembrou-se da portuguesa que lhe estragou as unhas e infectou os dedos manuseando o alicate de cortar peles como se fosse uma turquês de extrair pregos. Comparou-a com a suavidade e perfeição de Natasha, a russa que ontem lhe arranjara as mãos e pintara as unhas …

Não guarda rancor , mas na verdade feito o balanço final só tem razões de queixa de alguns compatriotas seus, por aqui nascidos, mal ou bem, n’Esta Lisboa que eu amo…

15 comments:

maresia_mar said...

Ola
não pude deixar de te dar um alô mesmo estando completamente afogada em trabalho. O teu post está espectacular, o meu marido viveu em Angola até aos seus 18 anos e conta-me histórias maravilhosas..
Bjhs e bom fds

Reflexos e Sinais da Alma said...

Olá , ora aqui está um depoimento com Alma e coragem...Eu nasci em África, em Moçambique na cidade da Beira banhada peloÍndico, e adorei este teu post.
Senti o cheiro de África na sua plenitude.
Um Beijo de Alma e um Bom Fim de Semana

Meg said...

Aldeia nativa ou sanzala...
Autobiografia, sinto.
Só quem lá esteve, e só quem lá esteve DENTRO daquela realidade, sabe o que se sente quando se vêem estas fotografias.
Não, não é efabulação, era assim mesmo.
Não sentem o calor, não sentem o cheiro da terra?
E eu não vi o programa!
Um beijo

Jorge P. Guedes said...

A Àfrica de que meu pai me falava, ele, um laurentino, parece esfumar-se aos poucos.

Nunca lá estive, mas também ainda estou vivo...por isso...

De qualquer modo, com este post ficou um cheirinho a terra vermelha e quente!

Um abraço.

Anonymous said...

Olá

Vim desejar uma boa Páscoa.
Um abraço.

melga meiguinha said...

Mais uma vez se verifica que qualidades e defeitos nada têm a ver com a cor da pele.

Gostei muito do que escreveu.

Beijocas.

Zé-Viajante said...

A excelência de um blog diferente.
Obrigado, Isabel.
( O Simão já teve alta )

Anonymous said...

Eu estive em Angola á 7 anos e sei bem do que falas, Um abraço.

pedro macieira said...

Não conheço África, mas o post transporta uma imagem que me parece muito real.

Tom said...

Greentea,
O preconceito é um mau que existe em toda parte do mundo. Infelizmente o homem ainda não enxergou que somos todos iguais perando à Deus Pai, Todo Poderoso.
Que diferença faz a cor, se o que importa é o que está dentro de nós?

Mil beijos e bom fim de semana!

bettips said...

Foi lindo o que nos contaste. Para mim, a verdade das humanas relações: as boas. Bj

EuMulher said...

Nunca estive em Africa mas as pessoas que conheço e estiveram lá, principlamente se viveram la não esquecem e falam desse tempo com saudade. Para alem de vir aqui dar te um beijinho vim tambem dizer que deixei uma proposta, um desafio no meu blog... Algo que senti que tinha de fazer mesmo! Beijinhos!

Meg said...

Greentea,
posso?
alguém sabe o que se passa hoje, está tudo "blindado"... não se consegue falar com os amigos, as portas estão trancadas...
consegui entrar aqui... nem sei como e à quinquagésima tentativa...
Sou só eu ou há mais alguém com o mesmo problema?
Um beijo para todos

rendadebilros said...

Que bonito testemunho...
Obrigada pela visita.
Um abraço.

Vladimir said...

Angola, terra muito linda....
Era sábado, e o vladimir da lapa decidiu dar forma aos seus pensamentos...