A empresa atribuía casa para os funcionários e distribuía os géneros em função do agregado familiar. Na sua casa havia mais duas mulheres – Rosa a psicóloga negra educada no Zaire e Isabel uma tradutora portuguesa , que estava de férias nessa altura.
Foi-se instalando e adaptando às novas funções e aos novos hábitos. Rosa era uma pessoa tranquila, perspicaz e inteligente, gostando de ter a casa em ordem e da sua privacidade.
Quando Isabel chegou de férias, começou a confusão e o desrespeito – barulho a toda a hora, o namorado que vivia noutra casa a entrar e a sair, roupas por todo o lado e louça sempre suja na cozinha, a casa de banho ocupada por longas horas para os seus intermináveis banhos que deixavam as outras sem água quente na caldeira…
Ela e Rosa pediram para mudar de casa. Muitos a criticaram , por ir morar com a preta, mas as duas entendiam-se bem e em pouco tempo partilhavam as refeições e assim se habituou a novos paladares, às astúcias da cozinha africana e a saborear outros pratos que desconhecia. Através de Rosa pôde visitar a aldeia nativa ali perto, falar com as pessoas e conhecer aspectos da cultura africana que de outra forma estariam vedados à sua cara de branca, vinda de Lisboa. Nunca teve qualquer problema, apesar de se deslocar muitas vezes sozinha por tudo o que era sítio, porque as suas funções assim o exigiam. Por vezes , tinha mesmo de ir avisar o Segurança que ia sair no dia seguinte antes de terminar o recolher obrigatório e ouvia-o dizer com um sorriso : “na senhora ninguém atira, não”…
Há dias , viu um documentário sobre Luanda, feito por um português-angolano. Depois, assistiu ao programa de Paula Moura Pinheiro que tinha por convidados esse jovem cineasta, que vive por cá há uns vinte anos e Lura que nasceu em Lisboa , filha de pais caboverdianos que correu mundo entoando canções da sua terra de origem. Duas caras negras que apesar de famosos, são ainda por vezes descriminados, num país que é o deles e onde deveria haver respeito por outras cores e outras raças, outros povos, país de emigrantes que somos. Lembrou-se da portuguesa que lhe estragou as unhas e infectou os dedos manuseando o alicate de cortar peles como se fosse uma turquês de extrair pregos. Comparou-a com a suavidade e perfeição de Natasha, a russa que ontem lhe arranjara as mãos e pintara as unhas …