Toda a noite, e pelas horas fora, o chiar da chuva baixou. Toda a noite, comigo entredesperto, a monotonia liquida me insistiu nos vidros. Ora um rasgo de vento, em ar mais alto, açoitava, e a água ondeava de som e passava mãos rápidas pela vidraça; ora com som surdo só fazia sono no exterior morto. A minha alma era a mesma de sempre, entre lençois como entre gente, dolorosamente consciente do mundo. Tardava o dia como a felicidade - áquela hora parecia que também indefinidamente.Se o dia e a felicidade nunca viessem! Se esperar, ao menos, pudesse nem sequer ter a desilusão de conseguir.O som casual de um carro tardo, áspero a saltar nas pedras, crescia do fundo da rua, estralejou por debaixo da vidraça, apagava-se para o fundo da rua, para o fundo do vago sono que eu não conseguia de todo. Batia, de quando em quando, uma porta de escada. Ás vezes havia um chapinhar liquido de passos, um roçar por si mesmos de vestes molhadas. Uma ou outra vez, quando os passos eram mais, soava alto e atacavam. Depois, o silêncio volvia, com os passos que se apagavam, e a chuva continuava, inumeravelmente. Nas paredes escuramente visiveis do meu quarto, se eu abria os olhos do sono falso, boiavam fragmentos de sonhos por fazer, vagas luzes, riscos pretos, coisas de nada que trepavam e desciam. Os móveis, maiores do que de dia, manchavam vagamente o absurdo da treva. A porta era indicada por qualquer coisa nem mais branca, nem mais preta do que a noite, mas diferente. Quanto á janela, eu só a ouvia.Nova, fluida, incerta, a chuva soava. Os momentos tardavam ao som dela. A solidão da minha alma alargava-se, alastrava, invadia o que eu sentia, o que eu queria, o que ia sonhar. Os objectos vagos, participantes, na sombra, da minha insónia, passam a ter lugar e dor na minha desolação. (in Bernardo Soares)
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7 comments:
Passámos do pseudo-verão directamente para o Inverno...
autentico inverno (inferno?)...
ter uma saída de campo programada par aobservação de aves e depois ouvri esta chuva...
Se naõ fosse o trabalho, bem que ficaria na caminha ouvindo chover, como nos tempos de criança em que aminah mãe nos levava pão com manteiga e açúcar.
Uma escrita de primeira. Excelente descrição onde não falta a poesia. Um fascínio a escrita de Bernardo Soares.
Beijinhos
Bem hajas!
Bom fim de semana!
La lluvia, el agua de la vida. ¿Que seriamos sin élla?.El otoño es el pasado y el futuro del día a día.
Desde Punta Umbría ( Huelva), te saludo.
Solto um beijinho hindyado
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