Monday, September 22, 2008

As manas

“É uma menina” - disse a Dra Teresa!
João não quis ouvir mais. Deixou a menina, deixou Sara , rejeitando ambas, e durante três dias deambulou pela cidade, pela casa de S. Pedro do Estoril, procurando consolo na filha mais velha. Sara, sentindo-se abandonada, descurou a bebé, recusando-se a olhar para ela, a aconchegá-la perto de si , a agarrar aqueles bracinhos estendidos que pediam colo e protecção.

Cláudia cresceu por si, sem mimos, sem elogios, alvo de permanentes criticas e comparações com a irmã mais velha, a jóia da coroa. Cedo se tornou independente e determinada , pronta a fazer valer os seus direitos e a afirmar-se num mundo que desde a nascença lhe foi hostil.

Tal como a irmã foi baptizada mas não registada. Não há fotografias suas; desse dia , ficou apenas a imagem da mesa do almoço com os Pais, a Avó, os Padrinhos e alguns amigos mais chegados. Claro, a irmã lá estava, ao colo de um primo.

As pequenas, as filhas do João, como lhes chamavam, crescem. A mais velha está em idade de entrar para a escola, mas sem cédula, sem registo de nascimento é impossível. Por isso têm uma professora em casa. Cláudia, com cinco anos, acompanha a irmã, na mesma classe. Por imposição do Pai vão a um Hospício de Freiras, onde têm lições de francês, com uma das madres. Têm poucos contactos com outras crianças, a sua educação é muito rígida, embora por vezes, a mãe as acompanhe ao Monumental a ver algum filme infantil , com a Ester e o Zé e o Filipe, que têm a mesma idade. Por vezes, ficam alguns dias em Lisboa na casa da Avó paterna, com quem passam também as férias de verão, no Baleal. Por vezes, estão toda a época balnear na Ericeira. Cláudia foi sempre muito saudável mas a irmã tem uma doença de pele, que a afecta principalmente no Inverno, com o tempo frio; o médico aconselha muita praia, água do mar e sol, bem como alguma dieta. Vivem com a mãe, o pai nem sempre está. Mas aos domingos vêm passar o dia alguns amigos e sempre a avô paterna.

Cláudia não tem recordações de Natal, porque na sua casa não se festejava este dia, não havia prendas, nem árvore, nem presépio, nem sonhos, nem peru assado . Lembra-se , sim , do dia dos seus anos. Era o único dia em que podia escolher o que quisesse para o almoço e para o jantar . Durante muitos anos, iam fazer um piquenique , na Serra de Sintra, junto a uma cascata, perto de Monserrate. À noite, ia à antiga Feira Popular, nos jardins da Gulbenkian, jantar e andar no comboio-fantasma, nos carrinhos eléctricos ou na montanha russa. Nesse dia, se o Zé e o Filipe também fossem, podíam jantar os quatro numa mesa só para eles, falar à vontade sem esperar que os adultos se calassem e levantarem-se sem pedir licença e sem desejar bom proveito . Num ano, o pai deu-lhe de presente uma mota de corda. Adorou a mota. Não havia brinquedos telecomandados , na altura. Havia uma chave que dava corda à mota e isto accionava as rodas, não se podendo controlar as travagens nem as curvas. Rapidamente, a corda acabava; isto se a mota não chocasse com a parede ou algum móvel, durante o seu percurso desenfreado!


Nota bibliográfica :
Durante muitos anos , Cláudia sonhou em participar no Paris-Dakar!!

3 comments:

Violeta said...

Se as pessoas soubessem como essas pequenas grandes (enormes) coisas marcam as vidas das Cláudias...
se as pessoas soubessem, s econseguissem air apra alé delas próprias, das sua próprias desilusões e perceberem que olhar para uma criança inocente faz a diferença...
se...
Para a Claudia, um caminho de luz, harmonia e já agora, por que não, uma participação no PAris Dakar...

greentea said...

o Paris Dakar já acabou, a mota ficou algures entre as caixas dos brinquedos ou foi dada a outra criança...
Claudia cresceu assim , nesse abandono, nesse menosprezo com q a irmá e os pais a tratavam.
Um dia disse NÃO e bateu com a porta e saiu dali para fora ...fez-se à estrada, cresceu, engoliu muitas lágrimas, superou os medos e as angústias até acreditar nela própria e tranquilamente perdoar a quem tanto mal lhe fizera...

Pitanga Doce said...

Ser "o patinho feio" dói muito mas nos torna mais forte depois. É claro que quando somos crianças, queremos lá saber "do depois", mas é assim que é. E olha que eu era a caçula de tres meninas, hein?
Se soubesses o que eu ouvia da minha avó, quando criança! E por fim, era comigo que ela chorava as saudades de Portugal.
As outras duas irmãs são portuguesas e vieram para cá muito novas. Não ligam a mínima à terra.

beijos as todas as Claudias