Monday, September 22, 2008

O Outono


Abriu tranquilamente a porta e entrou. Já não tinha medo nem desgosto de entrar, passados muitos anos desde que… Não importa, a casa estava morta, cheirava a pó, a odores velhos de livros e poeira. Foi abrir as janelas e deixou entrar o sol da manhã. As plantas nos vasos estavam também mortas, secas, quebradas. Apenas uma tinha ainda uma réstia de vida, com muitas folhas secas pelo meio. Pensou trazê-la, porque conseguiria recuperá-la, se quisesse , mas não, não eram dela e as plantas expressavam bem o que se passara naquela casa … tudo estava morto! Apenas aquela planta moribunda, com algumas folhas ainda verdes, era o que restava. Deitou-lhe um pouco de água e deixou o sol entrar naquela casa desabitada há tanto tempo, vazia de expressão , de cheiros , de roupas. Um computador ultrapassado, alguns móveis dispersos, livros , pastas, umas cortinas pesadas, sem graça. E o cheiro a pó, a velho , a passado sem retorno.

Olhou em volta, mas nada havia para fazer. Espreitou os livros na estante, livros técnicos que ela tão bem conhecia e que agora não lhe apetecia abrir. Viu os CD’s e pegou nas “Quatro Estações” de Vivaldi. Sentia-se o Outono pois as folhas já tinham caído todas e naquela casa era já Inverno, frio e escuro, sem vida.

Baixou os estores e fechou novamente a porta à chave. Aquele ambiente transtornou-a. Pegou no carro e afastou-se rapidamente daquele lugar. Vagueou pela cidade, tinha coisas a tratar mas fê-lo mecanicamente, com as ideias confusas e o turbilhão de memórias que lhe surgiram. Deu boleia a uma moçambicana, economista, que vivera quinze anos em Paris e, agora, divorciada, estava em Portugal. Conversaram no meio do trânsito da cidade, até à estação do Metro. África está sempre presente e este encontro foi uma dádiva, para ambas.

Mas precisava de estar só ou de estar só no meio das filas de espera, no bulício da hora de almoço de um centro comercial qualquer, de uma repartição pública ou de uma qualquer rua onde não conhecesse ninguém. Pensou no marido. Lembrou-se da filha.

E então, viu aquela figura de mulher moribunda, num leito de hospital. Apenas algumas réstias de vida, como a planta. Viu-a deformada, imobilizada, impossibilitada de trabalhar, de fazer uma vida normal. Fora operada ao coração. Continuava a viver em função do passado , do que fora, do que não tivera. As doenças físicas são o resultado das doenças da alma – os médicos poderiam operá-la mais outra vez e outra e outra, mas a cura não viria dali. Enquanto a sua mente não se libertasse , não evoluísse, não se canalizasse para outros objectivos, não encontrasse a Primavera que desponta em cada dia, não procurasse a Luz que deve brilhar nos nossos corações, a sua ferida não sararia, o seu coração não voltaria a bater com o ritmo certo.

Cláudia entrou em casa, ao fim da tarde. Eles ainda não tinham chegado. Pousou as compras do supermercado, foi apanhar a roupa, olhou as plantas do seu jardim e falou com o cão. O cão entendia os seus sentimentos, os seus pensamentos e sabia como lidar com ela, por isso naquele dia não pediu para jogar à bola. Ficaram ali sentados no jardim, os dois a conversar – ele pôs-lhe a pata no joelho, ela afagou-lhe a cabeça ternamente.

2 comments:

Violeta said...

Greentea
Claudia é uma grand emulher, ela sabe, sabe que só a luz nm coração pode vencer coisas que aparentemente são impossíveis para outros.
Que deus tenha piedade dos que vivem sem luz no seu coração. É verdade que pessoas assim fazem muito mal, por isso esperemos que a Primavera entre nos seus corações...
Tantas casas assim fechadas, tantos corações em inverno profundo...
Gostei muito do conto.

Pitanga Doce said...

Há quem diga que uma casa são só paredes. Como podem????