Thursday, May 27, 2010

DESPEDIDA ETERNA

Despedida eterna

Zé Luis:
começámos esta tua última viagem (tu gostavas de viagens) na cama 56 dos serviços de cirurgia 1 do Hospital de Santa Maria. Lia-te poesia e um dia parámos neste poema da Sophia de Mello Breyner:

"Apesar das ruínas e da morte
Onde sempre acabou cada ilusão
A Força dos teus sonhos é tão forte
Que tudo renasce a exaltação

E nunca as minhas mãos ficam vazias".


Assim foi.

No teu visionário e intenso mundo, a voracidade de um cancro traiçoeiro não te consumiu a alegria, a coragem, a liberdade.

Entraste pela morte dentro de olhos abertos. O mundo que habitavas era rico de ideias, de sonhos, de projectos, de honradez e carinho.

Percebemos o que ia acontecer quando no fundo do teu olhar sorridente brilhava uma estrela de tristeza. Quando te deixava ao fim do dia na cama 56 e te trazia no coração enquanto descia a Alameda da Cidade Universitária a respirar o teu ar da Universidade, das aulas e dos alunos que adoravas, do futuro em que acreditavas sempre.

Foste intolerável com a corrupção, com os cobardes e oportunistas. Não suportavas facilidades. Resististe à sordidez, à subserviência, à canalhice disfarçada de respeitabilidade e morreste como sempre viveste - livre.

Uma palavra para aqueles que te acompanharam nesta última viagem: para os melhores médicos do mundo, para as melhores equipas de enfermagem e de apoio, num exemplo de inexcedível dedicação ao serviço médico público. Vivi com emoção diária o carinho com que te cuidaram. Uma palavra de gratidão sentida para o Professor Luis Costa e Paulo Costa. E para um velho amigo de sempre o Miguel.
Também para Laura e para o Jorge e para a minha mãe e toda a família que nunca te deixou.
Por fim uma palavra para aqueles amigos que inventaram uma barricada contra a morte no serviço de cirurgia 1, cama 56, e te ajudaram a escrever, a pensar, a continuar a trabalhar: o João Gama, o João Pereira e senhor Albuquerque, cada um à sua maneira.

Suspiraste nos meus braços pela última vez cerca da 1,15 da madrugada do dia 14 de Maio. Vai faltar-me a tua mão a agarrar na minha enquanto passeávamos e conversávamos. Provavelmente uma saudade ridícula, perante a força do exemplo e da obra que nos deixaste e me foi trazido por todos aqueles que te homenagearam - a quem deixo a tua eterna gratidão.

Tenham a coragem de continuar.

[16.05.2010 - Maria José Morgado]

7 comments:

João Roque said...

Esta carta é comovente e uma imensa manifestação de amor eterno.

bettips said...

Não me dão "o tempo": eu roubo-o, aos bocados, na feitura da minha vida.
Por isso me vou repetir sem vos ler como vos gosto. Deixo abraços porque me sois belos.

Justine said...

Pungente...

Violeta said...

Recebi por e-mail e fiquei muito sensibilizada.

Paulo Borges said...

Comovente.

Mena CS said...

Palavras intensas, comoventes, plenas de amor!
Vieram-me as lágrimas aos olhos...

Arre Burro... Que amanhã é sábado said...

Apesar de ser uma carta de despedida, é confortante sentir que ainda há amor eterno num mundo onde cada vez mais o valor das coisas é efémero!