Friday, February 15, 2008

Cartas de amor

Nas gavetas da minha Avó encontrei um caderno de cartas de amor, escritas
no inicio do século passado. Esta tem data de 20 de Outubro de 1911 e reza assim:


Minha querida Maria
Necessito ver-te, falar-te e só assim respirarei ventura, o aroma dos anjos, o ar vital da consolação do teu amor.

Quero lutar e trabalhar. Trabalho é vida e agora mais do que nunca preciso dela, para ti principalmente. Com a ociosidade, morre-se. Diz um antigo prolóquio que ninguém morre em jornada ou véspera de casamento.

O trabalho rodeia-me de mil influências, que me violentam; o mundo inteiro pára sobre mim, é verdade, mas nenhuma outra força é igual à do carácter. O homem à maneira de todos os seres da natureza é tanto mais homem quanto maior é a energia que ele manifesta.

Esta energia que acorda em mim espontaneamente, aumentada pelo abalo violento que o teu amor me produziu, coloca-me no estado de ser obrigado a querer. E querer é poder.

Foi cumprindo com abnegação os meus deveres profissionais que consegui atravessar nos maus tempos idos, as duras privações e os iminentes perigos da minha existência física e moral.
O dever, como a lança de Aquiles, cura as feridas que abrem.

A história da minha vida é uma cadeia sucessiva de torturas em silêncio. Aceitei sempre com benevolência todas as afrontas da sociedade e venci-me a mim mesmo. A memória do que tenho sofrido não tem palavras.

Foste tu a borboleta que me trouxe a boa nova, quando eu vagava neste mar de corrupção.

Como eras linda chorando naquela noite de suplicio (lembras-te?) em que me confessaste o teu amor, que por tanto tempo me ocultaste! E essas lágrimas caindo-me no coração dizem-me que nunca poderei esquecer-te. Divinizei-te, pois, em meu coração e nada destruirá o meu ídolo. Ninguém te derrubará do pedestal em que te ergui.

Eu poderei sair daqui sozinho dia 29 à noite e hospedar-me aí sem que ninguém o saiba, em qualquer hotel, por exemplo no Avenida. No dia imediato 30, irias ali visitar-me. Saberei respeitar a tua virtude. Aí fica o alvitre. Se merecer a tua aprovação indica-me a hora em que devo esperar para ter tudo prevenido.
Vou 5ª feira a Coimbra acompanhar ...
Um longo beijo do teu

11 comments:

Maria Oliveira said...

Mas que maravilha de carta, onde sentimentos voam ao sabor da corrente!

Abraço

Maria Cristina Amorim said...
This comment has been removed by the author.
Maria Cristina Amorim said...

Que lindo :)
agora é teléles para cá e para lá.
já não há romantismo.
Beijos.

Espaço do João said...

Sou daqueles pouco parvos que ainda acredita em romantismos.Cartas de Amor quem as não teve? Há sempre um papelinho que se deixa cair em lugar secreto. Não é o coração um lugar secreto? Também acredito no sinismo e, no amor secreto que por medo ou vergonha não é demonstrado. João

Meg said...

Quanto não valem essas "jóias"!
E não me refiro ao valor material mas à memória tão viva e tão imensamente distante dos dias de hoje.
Guarda-as Geen... são documentos valiosas de uma época.

Um abraço

Jorge P. Guedes said...

Que delicada ternura! Como eram belos esses tempos!

Um abraço.
Jorge G.

Pitanga Doce said...

O valor do papel! Guardam letras e perfumes...

gisela cañamero said...

deixei um desafio para este blog na cigarra...

*Um Momento* said...

Que beleza de sentires...


Grata por tão bela partilha

Beijo imenso

(*)

Angela Ursa said...

Greentea, que beleza de carta de amor! E um documento histórico!
PS: Acabei de ver essa matéria especial sobre chá verde e lembrei de você:
http://bonsfluidos.abril.com.br/livre/especial_cha_verde/index.shtml

Beijo da Ursa

D'age said...

Olá greentea.
aparede nesta faceta que não conheces.
Ah pois vais ter de descobrir porque há lá pistas...