Em meados dos anos sessenta as meninas não podiam usar calças dentro das escolas , nas salas de aulas , nos escritórios. As saias também não deveriam subir acima do joelho embora as mais ousadas começassem a copiar modelos de Twiggy ou o estilo Mary Quant. A professora de Religião e Moral era a mesma que dava Economia Doméstica - uma "coisa" horrrrrrrrrrrorosa em que se aprendia a ser uma "boa dona de casa, a passajar e cerzir, a saber quando e como deveriam ser feitas as limpesas da Primavera, do Outono, da semana ou do dia-a-dia"...
Era simplesmente abismal!
Fartas dos conselhos morais da dita professora conhecida por Zézinha, reunimos o conselho de Turma e tomámos medidas severas face à situação. Note-se que as mentes criativas destes ousados projectos eram sempre as melhores alunas , aquelas que todos os trimestres ficavam engalanadas no tal do "Quadro de Honra" e para além disso eram apoiadissimas pela Chefe de Turma.
Vai daí, um dia combinámos ir para a aula de Moral com as saias mais curtas que tivéssemos e trocámos as benditas das meias de vidro da época por collants de cores bem agressivas - vermelhos, azuis, verdes , amarelos - com a respectiva batinha branca por cima , como mandava o Regulamento. Ao estilo da época , excedemo-nos no uso da bela laca e nos tufos dentro do cabelo. Fomos ainda ao eyeliner das mamãs e a todas as maquillagens próprias de então e toca de usar e abusar.
Como convinha, a turma era só feminina. A tal da Zézinha ficou estupefacta ao ver entrar as suas alunas naquela aula... e quando nos sentámos procurámos que as saias subissem o mais possivel, já que as batas abotoavam à frente , deixando bem de fora os joelhos coloridissimos!
Não nos pôde pôr faltas de castigo nem expulsar da aula (já que aquelas situações não estavam contempladas no Regulamento da Escola), mas aplicou-se a matraquear-nos a cabeça com todos os códigos de honra desses tempos anteriores a Maio de 68.
Dias depois , em pleno Inverno , preparámos outra ofensiva : Ir de calças para a Escola!
O continuo da porta ficou tão perplexo que não teve palavras para nós e assim assistimos à primeira aula. No intervalo fomos chamadas ao Director, sendo até autorizadas a passar pelo corredor dos rapazes que aprovavam a nossa luta (coitados deles que eram obrigados a usar fatinho e gravata todos os dias da sua vida).
O Director , casado com uma antiga aluna e bem mais velho que ela, começou com muitos rodeios patati-patatá... inquirindo finalmente das razões daquela ousadia.
Só a chefe de turma podia dialogar com ele, as outras tinham de se manter de pé e semicabisbaixas, mas a nossa resposta estava na ponta da lingua há muito tempo, desde que tinhamos perpretado aquele plano delirante:
"Temos frio, sr Director...a Escola é muito fria e as aulas começam às oito da manhã."
O Matias cofiou a barba, o queixo , o cabelo ralo, sem encontrar argumentos. Algumas de nós pensavam na suspensão, no processo disciplinar , na informação para os pais ou no comportamente mau ou medíocre com que a Zézinha nos iria distinguir.
Mas não. Nada disso. O Director olhou-nos a todas e com uma tolerância a que se viu forçado, informou que a partir daquela data poderiamos usar calças dentro da Escola, no Inverno !!!!!
Este texto surge no seguimento da 3ª edição do Merdock da autoria de Vieira Calado , que relata acontecimentos e lutas estudantis, usos e costumes dos anos cinquenta, em Faro.
A não perder! !!