Estava decidido! Iria ao lançamento do livro da Maria José, na Fnac do Norte Shoping. Falei com ela e com a Europacolon , marquei o alojamento e comprei o bilhete de comboio. Também queria ir visitar uma amiga , em Vila do Conde - foi operada a um tumor no intestino e agora vai fazer doze sessões de quimio.
Cheguei ao Porto pela 1h da tarde , apanhei o metro em Campanhã e fui almoçar no Mercado do Bom Sucesso, tranquilamente .Só depois fui para o hotel deixar a bagagem para andar mais leve . Dei as minhas voltas durante a tarde , entrei numa livraria, fui arranjar as mãos que estavam uma lástima , aproveitando a tarde livre só para mim. Reposei-me e mimei-me, em suma .
Depois ao fim do dia , dirigi-me para o Norte Shopping. Tinha de jantar e a sessão começava às 21.30h. Quando entrei , identifiquei logo a Maria José, foi engraçado, muita gente à volta para a cumprimentar, muita gente da Europacolon e todos aqueles com quem tenho falado ao telefone ou pelo mail. Ali, não estamos sós, há apoio e laços de amizade entre as pessoas, sobreviventes ou ainda portadores de cancro. Muita ternura entre todos, muita atenção, muita dedicação. Tive uma longa conversa com o Presidente - é importante mais divulgação, chegar a mais pessoas , informar mais e sobretudo prevenir. Porque em Portugal não se faz prevenção e morrem 11 pessoas por dia com cancro do intestino. Sobrevivi. A Maria José também. As nossas histórias são diferentes, os tumores e o tratamento igualmente diferentes , as reacções de cada uma igualmente diversas, cada uma com as suas sequelas. Porque quem alguma vez teve cancro nunca mais volta a ser a mesma pessoa.
No entanto, é essencial divulgar estas histórias, desmistificar as palavras e os sentires, não engolir nem chorar para dentro e olhar com esperança para o azul do céu ou para o verde do fundo do mar.
Quando fiz a anestesia para a minha grande cirurgia, a enfermeira disse-me para imaginar o fundo do mar , ver imagens de Bora-bora ou do Thaiti ou quaisquer outras que me dessem tranquilidade e me transportassem para outras paragens. Estive sete horas na mesa de operações mas acordei docemente , a sorrir. E o meu cancro foi completamente eliminado.
Não quer dizer que tudo fosse um mar de rosas : passei três dias nos cuidados intermédios , ligada às máquinas , cheia de tubos por todo o lado, com uma epidural espetada nas costas que não me deixava mexer nem virar de lado nem aliviar um pouco. Coincidencia dos turnos , ou não, nesses três dias foi sempre um enfermeiro que me veio dar banho e mudar a cama ajudado pela auxiliar. Também aqui fomos diferentes , Maria José, mas assim não nos calhou apenas a nós...Não queria ver ninguém , queria estar apenas sozinha e que não me vissem assim naquele estado , toda entubada , ligada a uma máquina sempre a apitar cada vez que eu me ia abaixo e a tensão descia a niveis impróprios. Ao 4º dia , mudaram-me para o quarto. Pude ir tomar banho de cadeira de rodas , lavar a cabeça, retiraram-me a algálea e os soros dos braços! Passei dez dias sem comer nem beber, sempre com soros, morfina e uma beberragem que me injectavam no braço a que pomposamente chamavam "bacalhau com natas"- podiam ter optado por um arrozinho de marisco, mais do meu agrado mas ali o serviço não é
à la carte e não temos opção. A minha costura só tinha 43 agrafos, uma coisita de nada.
Talvez me dedique a escrever a minha história, porque penso , tal como a Maria José , que isso pode ajudar outras pessoas que estão a passar por situações semelhantes , que pode fazê-las encarar de um modo diferente o cancro que se alojou nelas e no seio da familia. Porque um cancro , não nos atinge apenas a nós; atinge todos os que connosco convivém, os que lidam todos os dias connosco, os nossos amigos, o nosso cão , as nossas plantas , tudo o que nos rodeia. Não é fácil, claro que não, mas é possivel ultrapassar e minimizar as situações. Por tudo isso , teremos de ser uma equipa e dar as mãos . Por tudo isso , gostei de ter ido à sessão da Maria José Azevedo e da Europacolon.
Por tudo isso não percam