Olhei-a nos olhos , sorriu para mim...
-Entre, entre. Está tudo desarrumado, desculpe.
Caminhava à minha frente , arrastando os pés com dificuldade, no corredor daquele rés-do-chão de duas assoalhadas.Tem setenta anos e foi Assistente Social, fez uma licenciatura, mas diz-me não saber preencher aqueles impressos.
Sento-me então naquela sala onde a lareira há muito não se acende, onde é visivel a solidão e o desconforto, o desinteresse por tudo, o alheamento pela vida.
Prencho os tais questionários, Carolina sabe responder a tudo com prontidão, embora algumas contradições sejam evidentes : diz que sobe escadas com facilidade mas no corredor arrasta-se pesadamente; responde que vê bem mas usa óculas de muitas dioptrias, o cabelo deve ter desaparecido faz tempo debaixo do postiço que usa. É divorciada, não me fala em filhos, familia, amigos ou vizinhos.
Agradece a ajuda e acompanha-me à porta com o mesmo passo arrastado. Despedimo-nos como se cumprissemos um ritual, sem alegria nem tristeza. Um adeus para sempre sem mágoas nem euforias.
Comparo - a com Luisa. Divorciada também , vivendo só, num 6º andar .
Confessa não saber preencher os impressos e pede-me ajuda. Tinha acabado de chegar a casa e estava a comer qualquer coisa na cozinha. Sentámo-nos na sala , irrepreensivelmente limpa e arrumada, com gosto, com simplicidade.
-Eu só fiz a 2ª classe, que no meu tempo os pais não nos queriam na escola.
Está na casa dos cinquenta, tem um aspecto ainda jovem e carinhoso. Fala-me do filho que perdeu com nove meses, fala dos outros 3 filhos, do ex-marido , do companheiro que um dia mandou embora de casa. Vive sozinha , agora. Mas tranquila. Mudou de casa, fechou as marquises. Largou o emprego e abriu um café/pastelaria. Passa lá os dias, chega a casa noite adentro. Com alegria, com força de viver.
Ficamos a conversar, quando damos conta são 11h da noite ! Por ela ,ficaria ali a noite inteira.
Despedimo-nos efusivas. Pergunto-lhe onde é o tal cafezinho para ir lá visitá-la. Gostei de a conhecer, sem dúvida.
Não posso deixar de fazer comparações entre estas duas mulheres : uma quase analfabeta, tirou a carta de condução, comprou carro e casa sem apoios e conduz a sua própria vida; a outra, sendo Assistente Social precisa que cuidem dela, que a ajudem , que a orientem...
Saturday, March 26, 2011
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4 comments:
Idades diferentes, diferentes percursos de vida mas parece-me que algo aconteceu com a primeira que a levou ao desencanto, ao isolamento, ao desinteresse pela via. Nem todos têm a mesma força interior.
Beijinhos
Bem-hajas!
Cada pessoa é uma história, não é Greentea? Histórias de força, de coragem, mas também de desistência, de amargura...
Todos os dias aprendemos!
Essa é uma experiência interessante, participar no Censos.
Falo por experiência própria uma vez que estive ligada à Estatística tantos anos, passando por 3 recenseamentos agrícolas.
Sim, encontram-se situações assim e nem todas as pessoas reagem perante as agruras da vida da melhor forma.
Parabéns pelo teu empenho e amor pelo outro/a.
Sei o que isso é e dou imenso valor!!!
Beijinhos da flor
De volta aos anos 60!
Visita http://palavrasdechocolate.blogspot.com/2011/04/de-volta-aos-anos-60.html
E vem saber um pouco mais sobre os ans 60!
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