Sunday, October 12, 2008

a morte saiu à rua num dia assim

naquela manhã o sobrinho telefonou-lhe a dizer que o pai estava muito mal, viera de longe para se despedir e pouco havia a fazer. Pensou em todos eles, saiu, tinha o dia muito sobrecarregado e de nada adiantava. Na manhã seguinte , a noticia chegou, qual crónica de uma morte anunciada, de há muitos meses adiada.

Preparou-se para enfrentar a dor dos sobrinhos, o choque que seria para eles. Eram os seus meninos apesar de tudo, apesar das dissidências e do afastamento da irmã...

Estavam consternados, chorosos, doridos, abraçaram-na longamente quando a viram; choraram também com a prima, enterneceram-se todos, todos tão crescidos. Nestas circunstancias encontra-se toda a familia que não se vê em nenhuma outra ocasião. Ela voltou no dia seguinte, para as cerimónias . Acompanhou-os, esteve junto deles, explicou-lhes que o pai continuaria presente em cada momento , apenas de uma forma diferente. A noite, foi até casa deles, (já não se lembrava da última vez que lá tinha estado ) levou-lhes aqueles biscoitos que eles gostam, como se fossem ainda meninos aqueles homens .

Contaram histórias de infancia , viram os albuns de retratos , falaram das avós e das torpelias de cada um, beberam chá. A filha sorria por estar no meio dos primos, de novo.
Perdoou da melhor forma que soube, embora entre ela e a irmã haja sempre essa distância, esse vazio, esse abismo que a outra estabelece por ser a mais velha, por ficar sempre no anseio de ser como a mais nova, uma mulher segura de si , independente, que estabelece relações harmoniosas e duradouras a quem os sobrinhos sempre recorreram quando entravam em conflito com a mãe.
Tentou ultrapassar as barreiras, os ciúmes, as invejas da outra, enfrentando-a calmamente, acompanhando-os naqueles momentos dificeis de separação e morte. Amanhã , cada um parte à sua vida , a outra ficará sozinha naquela casa imensa , agora deserta, onde os três gatos terão mais espaço (ainda) para brincar. O futuro é incerto e vive-se um dia de cada vez; chegou a altura de ela aprender a VIVER por si só.

fotos: Os jardins de Claude Monet, tirados da net

balada.de.outono para ouvir, basta clicar

5 comments:

Violeta said...

A morte tem dessas coisas: junta, nem que seja por breves momentos, quem nunca teve tempo para sequer beber um chá...
A morte ensina-nos a ter a noção da perda, da solidão, da dor...
ensina a todos, embora cada um apreenda essa aprendizagem de maneira diferente, á sua maneira, na forma que lhe é possível ter.
Ainda bem que os primos se reencontraram, é uma forma de dizer a vida continua.
força nestes dias cinzentos exterior e interiormente.

greentea said...

a morte separa para re-unir, para voltar de novo, para re-criar...
enquanto transportava as cinzas do pai, o filho mais novo comentava :"sei que ele está aqui, as cinzas transmitem calor"...
o mais velho dizia : " ele estava a olhar para mim enquanto li as oraçoes "...
formas diferentes de ESTAR numa outra dimensão; os mortos partem para um qualquer outro local, mas ficam connosco para sempre .

obriogada pelas tuas palavras, violeta

Pitanga Doce said...

E agora ela terá todo o tempo para aprender a viver por si .

Fica bem, Greentea.

Angela Ursa said...

Greentea, carinho da Ursa para você!

Maria Cristina Amorim said...

Todos nós temos de nos habituar a perder...pela vida fora vamos perder muitos que amamos e nunca estaremos preparados para tal.
Beijos.