Thursday, June 25, 2015

Ressonancia...ou outros sonhos

Naquela tarde , levaste-me a um lugar assim. Podia ser aqui ou num outro qualquer sitio. Estávamos em África, no coração de África e nos confins do mundo, a leste de toda a civilização. E nós dois apenas no cume de um monte. Foi lindo, tão  lindo que ainda hoje recordo essas imagens, esses momentos que me ficaram gravados na mente e no coração.
Hoje era dia de fazer mais uma ressonancia magnética, coisa nem sempre agradável mas essencial  para conhecer os nossos interiores, detectar tumores, anomalias ou no caso ,  verificar se a fistula retovaginal que surgiu após um tratamento de radioterapia já estaria encerrada. Diagnosticada há cerca de ano e meio, a fistula tem-se reduzido após tratamentos de medicina hiperbárica no Hospital da Marinha, já lá vão sessenta sessões  repartidas ao longo do tempo. Não é fácil , mas tem de ser feito e é preferível a uma intervenção cirúrgica não garantida ...
Finalmente, a enfermeira chamou o meu nome, entregou-me uma bata descartável para vestir e entrei na sala, depois de me perguntar os tratamentos e a cirurgia  que tinha feito: quimioterapia, radioterapia e eliminação de um carcinoma do reto.
- Vou ter de lhe aplicar duas sondas para verificar melhor, depois não se pode mexer enquanto decorre a ressonancia. Pode aplicar  estes dois tampões nos ouvidos e tem na mão esta campaínha se se sentir mal...
Estou toda dorida das sondas e não me posso mexer. Sinto a maca a deslizar para dentro da campanula. Fecho os olhos e deixo fugir o pensamento para longe , porque não quero estar ali e agora. A minha mãe sorri-me lá de longe, confiante de que tudo correrá bem ; sei que ela está sempre comigo nestas alturas, aparece sempre, onde quer que possa estar. Depois vieram-me outras imagens à mente e deixei de ouvir o matraquear da máquina, deixei de sentir o meu corpo, fechei os olhos e voei até àquele lugar onde me leváste num qualquer fim de tarde há tantos , tantos anos. Não sei o que dissémos nem as conversas que tivémos, se calhar escutámos apenas o silencio e expandimos a vista pela paisagem sem fim, enchendo a mente com essa tranquilidade profunda. Deixei-me ficar assim, a olhar até ao infinito .
- Já acabou, pode levantar-se. Sente-se bem disposta?
Não dei pelo tempo, nem por nada, mas quando cheguei  cá fora passara bem mais de uma hora.
Obrigada pelo apoio que me deste e por me teres levado àquele morro. Isto também é mindfulness. África minha.!

4 comments:

Justine said...

Que belo, Greentea! E que grande lição de sabedoria me dás...
Um abraço muito apertado

majo said...

Que lindo!
Consegue transformar a dor, o medo e a ansiedade, num texto poético, tão bonito!
Só mulheres valentes e corajosas são capazes disso!
Parabéns!
Um abraço. mj

greentea said...

justine
em dias dificeis , temos de aprender a (sobre)viver da melhor forma !
um beijo para ti

greentea said...

maria josé
Obrigada pelas tuas palavras . Amanhã falamos - ao vivo
Beijo para ti