a mulher da burka

 SERIA ESTA ?







OU SERIA ESTA OUTRA?

QUEM SABERÁ ?
Nunca vira nenhuma destas mulheres assim tão de perto e ficou, no mínimo , chocada. A mulher não olhava de frente, mas de lado e inclinava A CABEÇA PARA BAIXO QUANDO QUERIA VER MELHOR ALGUM OBJECTO.
Ia acompanhada pelo marido(?) , que fazia as compras, pegava nos sacos e pagava a conta na Caixa do Hipermercado. Não se lhe viam as mãos sob a Burka preta que descia até às ancas, por baixo usava umas roupagens largas de tom castanho.
Chocada deveria estar ela , perante as indumentárias das portuguesas que num dia quente optavam por calções, jeans de cintura descaida e tops a deixarem antever a curva do seio, caras dsetapadas e cabelos ao vento.
A mulher da burka estava tristemente, irremediavelmente só, a leste da multidão, ontem domingo num qualquer hipermercado de Lisboa.

gare do oriente

Ele tinha de apanhar o comboio das 13.43h. Ela sugeriu que fosse comprar o bilhete  e depois iriam comer qualquer coisa ali mesmo no Vasco da Gama, o Wok , por exemplo, era rápido e simples. Um pouco contrariado , ele acedeu. Chegaram muito a tempo de adquirir o ticket mas a seguir ele questionava-se onde arrumar o carro, onde virar onde sair , por onde ir,como subir, o que comer e todas essas questões básicas a que qualquer mulher ou até adolescente responde de imediato.
Tudo foi um drama a partir daí.Que o semáforo estava avariado, o parque cheio, a escada rolante avariada , a fila imensa , que não sabia o que pedir, qual a base, qual o molho... Aliás  é sempre assim quer seja para adquirir um pacote de manteiga ou de arroz, um par de ténis ou decidir o que quer que seja...
Acabaram por comer à pressa, ele deixou quase tudo no prato porque fez a pior das escolhas; ela comeu calada, farta de o aturar, deserta que chegasse a hora do comboio. Por isso mesmo foi até à estação com ele para ter a certeza que ia no comboio. Em seguida foi à farmácia medir a tensão, regressou ao shopping e deu as suas voltas para descongestionar a cabeça. Depois , voltou para casa a aproveitar o resto do dia. Ele mandou-lhe uma mensagem : "Apanhei o comboio mesmo à conta. Chegáste bem a casa?"
- Tranquilamente, respondeu ela...

Vida

...na verdade , a vida é o milagre de cada um, uma história única, como se habitássemos sozinhos neste mundo.
Porquê abandonar o nosso sentir, para escrevê-lo de acordo com a lei de outro?

                                                                                                     
Nuno Lobo Antunes - Em Nome do Pai                                        

                                                                               

Em Nome do Pai

Salomé era a brisa leve  que vagueava pela casa cumprindo o seu dever; mas a sua presença, como a esponja que no mar recolhe a água, parecia sorver o som dos pássaros, a alegria das crianças , o cheiro do pão  e tudo o que celebramos como tempero da vida.
Eu refugiava-me na oficina aperfeiçoando a arte, de forma que me procuravam de muitos lados, porque quem se sentasse numa cadeira de minha feitura experimentava nela o calor de um colo, e tendo embora os braços a quietude da madeira neles se sentia o pulsar das veias.
Os meus arados levantavam a terra sem esforço, como se lavrassem o mar; as minhas rodas ao girar sobre as pedras pareciam pairar, e não assustavam os animais da terra ou as aves do ar.

Da minha inspiração nascia o que apenas à mulher e a Deus pertencem: o conforto do regaço que acolhe e , ao abraçar, perdoa.

(Vale a pena ler e saborear estes textos de Nuno Lobo Antunes)

Amadeu

 Adorava comboios, para ele eram um simbolo da vida. Eu gostaria de ter viajado no seu compartimento. Mas ele nunca me quiz ali. Quiz que eu ficasse na gare , o que ele verdadeiramente queria era poder baixar a janela e pedir-me , a qualquer altura um conselho. E também queria que a gare acompanhasse o seu comboio quando ele partisse. Eu devia ficar na plataforma em movimento como um anjo, imóvel na plataforma do anjo, que deslizava precisamente à mesma velocidade do seu comboio.

E, no entanto, entre nós manteve-se um estado que eu só pouco a pouco, e muito mais tarde , acabei por perceber: ele não queria que eu me envolvesse na sua vida. Num determinado sentido, muito difícil de explicar, ele queria que eu me mantivesse de fora.

Comboio nocturno para Lisboa - Paul Mercier

novos rurais

1º de maio