Friday, August 28, 2009

sob o céu africano

Todo este céu me recorda Marcelo. Ele dizia-me -"vou contar estrelas" - e tocava em cada uma das minhas sardas. O dedo pontuava os ombros , as costas , o peito. Meu corpo era o céu de Marcelo. E não soube voar, entregar-me ao torpor daquele contar de estrelas.

E regresso à minha mesa de cabeceira para encarar o rosto da amante negra. Aquele foi o olhar que mergulhou, no momento da fotografia, nos olhos do meu homem. Um olhar luminoso, como a luz à entrada de uma casa. Talvez fosse isso, um olhar deslumbrado, talvez fosse isso que Marcelo sempre tivesse desejado. Não seria , afinal, o sexo. Mas o sentir-se desejado, mesmo que fosse por breve fingimento.
Sob o céu africano volto a ser mulher. Terra ,vida, água são do meu sexo.O céu, não o céu é masculino. Sinto que o céu me toca com todos os seus dedos. Adormeço sob a caricia de Marcelo. E escuto, longe, os acordes ...:"se você olha para mim eu me derreto suave, neve num vulcão..."
Quero morar numa cidade onde se sonha com chuva. Num mundo onde chover é a maior felicidade. E onde todos chovemos.
Mia Couto - Jerusalém

8 comments:

Maria Clarinda said...

Adorei esta partilha com Mia Couto! Jhs

Violeta said...

Adoro Mia Couto.
Hoje era par ir ter uma noite africana no CCB Fora de si, mas a inércia apoderou-se de mim. Fiquei por casa. Fases...
bjocas

Justine said...

Comecei agora a ler Jesusalém( só o título, que espanto!). Sempre fascinante, Mia Couto!

greentea said...

maria clarinda

achei lindo este texto!

greentea said...

violeta
há fazes assim !!
pois eu fui para uma noite de cultura árabe mais uma vez nos Capuchos e foi espectacular e a noitte excelente ...nem uma brisa sob os pinheiros no terraço ao ar livre
diria q estávamos em àfrica - entoaram uma canção do Magreb!

greentea said...

Justine
ofereceram-mo há dias e tudo o que é Africa para mim ...sou suspeita ; África, o som , o cheiro, a luz, o céu, as cores ...enfim , tudo, trago no Coração

a d´almeida nunes said...

Há umas semanas atrás tive o privilégio de estar presente num encontro em Leiria para se falar desse novo livro de Mia Couto. A explicação que Mia deu para justificar o título foi de encantar, pela simplicidade/naturalidade com que se explicou. Com meia dúzia de palavras como se fosse a coisa mais banal deste mundo.

E, mais uma vez, lá vem à baila, Moçambique, anos 60, tropa, a Zaida, a Inês que lá nasceu em 1969...

Bj
António

Pitanga Doce said...

É lindo! Morar numa cidade onde se sonha com chuva?