Sunday, February 16, 2014

um domingo diferente

Há muito tempo que lhe tinha prometido irmos tomar um café juntos. Veio o inverno, veio a chuva , o frio e os meses foram passando...
Na semana passada, a mãe telefonou-e aflita dizendo que Rui tinha saído de casa de manhã cedo e não voltara em todo o dia. Mandei-lhe uma mensagem : - Então , quando vamos ao nosso cafezinho ?
Não tive resposta. Rui foi encontrado dois dias depois em estado lastimoso, muito longe de casa, com os pés todos feridos!
Conheci-o há meses atrás, quando ambos começámos a tratar de uma cão abandonado - eu dava-lhe de comer , ele levava-o para casa e andava sempre com ele, um cão de grande porte a quem se afeiçoou muito. Rui tem esquizofrenia, uma cultura superior , uma educação e sensibilidade enormes, mas também um desajustamento com a realidade e uma incapacidade para se integrar em sociedade ou conviver com outros humanos. No entanto, sempre me aceitou e cumpriu com tudo aquilo que combinámos em relação às horas de tratar o cão , idas ao veterinário, medicação, nunca falhou.! Um dia , convidou-me para um café , eram quase horas de jantar e eu disse-lhe que ficava para outra vez. Rui é uma pessoa diferente, não liga ao que veste, tem imensos tiques, deita a correr se vê surgir alguém que não gosta, por isso poucas pessoas o aceitam .
Há dias , recebi um sms, respondendo ao meu de há uma semana atrás. Ok, está combinado para domingo, vamos passear e se não pode andar por causa dos pés feridos , passo à sua porta e vamos a Sintra, que o Rui gosta. Pediu licença para entrar no carro e sentou-se à frente, ao meu lado. Vinha a comer biscoitos. Fomos directos à Sapa, beber café. Decerto não o teriam deixado entrar se fosse sozinho. Mas a senhora por detrás do balcão olhou para ele e para mim e serviu as duas bicas, sem mais comentários.
Seguimos serra acima, parando nos fontanários, junto  dos parques, do arvoredo que o encanta. Estamos em Colares, vamos ver o mar, Rui? Podemos ir , mas gosto mais das árvores. Continuámos até às Azenhas do Mar e regressámos pela outra estrada até Sintra de novo, tempo ainda para ir a Santa Eufémia, cheia de arvoredo e uma vista deslumbrante sobre toda a costa. Fomos sempre conversando, um diálogo nem sempre fácil e coerente, claro.
A tarde estava a terminar e chegámos a casa. Vou só buscar umas maçãs lá da aldeia, como o Rui gosta, sem pesticidas nem químicos, com sabor. À despedida disse-me que gostara muito e que tinhamos de ir mais vezes passear a Sintra. Fiquei feliz por ele, por ter passado uma tarde tranquila. Mas fico a pensar nos dias futuros, na falta de tratamento adequado que ele rejeita, nos problemas que a mãe tem tido com este filho que vai para os quarenta anos. Como lidar? Como tratar ? Que ao menos hoje, tenha uma noite descansada. Amanhã é um novo dia !

6 comments:

Fê blue bird said...

Ser diferente num mundo insensível é muito complicado.
Mas há sempre alguém que sabe ver para além do inevitável. Gostei!

beijinho

greentea said...

Olá Fê
ele ficou tão contente, tão agradecido que dá gosto voltar a combinar outro passeio com o Rui !!
beijinhos para ti

Lilá(s) said...

O Rui teve sorte, encontrou-te!
Bjs

greentea said...

lilás
pois,,,e elel ficou melhor depois do passeio !! bjs

Justine said...

Uma bela e inquietante história. Bela a tua compreensão, inquietante o futuro desse jovem...

greentea said...

justine
hoje encontrei-o por aqui a passear, está melhor , ficou a conversar comigo e tinha um brilho novo nos olhos!
Já começou o tratamento .
Vamos dar-lhe força para ele levar tudo até ao fim !!