Desde que me lembro, sempre me senti diferente, fui marginalizada, não pertencia realmente à minha família ao meu meio social, a um grupo. Suponho que desse sentimento de solidão nascem as perguntas que me levaram a escrever, é na busca de respostas que germinam os livros.
(Isabel Allende)
A escrita faz-nos ir ao encontro de nós próprios , a encontrar perguntas e respostas que de outro modo nunca existiriam. Tem sido assim desde que me conheço. Também eu fui marginalizada, também eu me sinto diferente, à frente do meu tempo e da minha época, antecipando factos que os outros nunca saberão. Durante muitos anos tinha hipermetropia , ainda o autocarro vinha lá ao fundo da Avenida de Roma e eu distinguia o seu destino. Talvez os meus chakras me fizessem ver bem demais o que lá estava ao fundo do túnel para não me aperceber do que se passava à minha volta. Talvez... porque era doloroso. Assim, cresci só, independente, desenvolvendo cada vez mais as minhas capacidades e a minha energia. E eles , a famila, os pais e os avós,a irmã, iam ficando cada vez mais distantes, cada vez mais para trás, na lonjura da vida e dos percursos que vamos fazendo.
Há tempos, o meu sobrinho mais novo pediu-me uma história para contar ao filho dele , sobre o Avô. Estranhamente, todos lhe ocultaram a história do pai, que em tempos fora padre e deixou de o ser para casar com a mãe; todos os registos foram apagados, as fotos dessa época destruidas, tudo o que pudesse estar relacionado. Ele apenas sabe que há algo que não sabe, que deliberadamente lhe esconderam desde sempre , incapazes de assumirem um facto consumado.
Reconstituí o passado, tentei contar a história da melhor maneira possivel, mas de tão chocante, e porque o choque dele com a mãe iria ser desastroso, o pai já não está cá para lhe explicar, guardei-a no arquivo do computador, até um dia... Até um dia, porque lhe prometi que diria apenas a verdade e só a verdade !
(as fotos são réplicas de quadros de Botero)