Thursday, October 18, 2012

Actualidades de Eça de Queirós

"Nós estamos num estado comparável apenas à Grécia: a mesma pobreza, a mesma indignidade política, a mesma trapalhada económica, a mesmo baixeza de carácter, a mesma decadência de espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas quando se fala num país caótico e que pela sua decadência progressiva, poderá vir a ser riscado do mapa da Europa, citam-se em paralelo, a Grécia e Portugal"





Eça de Queirós (in "As Farpas")



1872



Eça de Queirós sempre actual



“Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição”



“Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade, nestes dois factos que constituem o movimento político das nações.



A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse.



A política é uma arma, em todos os pontos revolta pelas vontades contraditórias; ali dominam as más paixões; ali luta-se pela avidez do ganho ou pelo gozo da vaidade; ali há a postergação dos princípios e o desprezo dos sentimentos; ali há a abdicação de tudo o que o homem tem na alma de nobre, de generoso, de grande, de racional e de justo; em volta daquela arena enxameiam os aventureiros inteligentes, os grandes vaidosos, os especuladores ásperos; há a tristeza e a miséria; dentro há a corrupção, o patrono, o privilégio. A refrega é dura; combate-se, atraiçoa-se, brada-se, foge-se, destrói-se, corrompe-se. Todos os desperdícios, todas as violências, todas as indignidades se entrechocam ali com dor e com raiva.



À escalada sobem todos os homens inteligentes, nervosos, ambiciosos (...) todos querem penetrar na arena, ambiciosos dos espectáculos cortesãos, ávidos de consideração e de dinheiro, insaciáveis dos gozos da vaidade.”



Eça de Queiroz, in 'Distrito de Évora” (1867)



Política de acaso, política de compadrio, política de expediente



Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA.



É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?



Eça de Queiroz, 1867 in “O Distrito de Évora”



Portugal e a crise



“Que fazer? Que esperar? Portugal tem atravessado crises igualmente más: - mas nelas nunca nos faltaram nem homens de valor e carácter, nem dinheiro ou crédito. Hoje crédito não temos, dinheiro também não - pelo menos o Estado não tem: - e homens não os há, ou os raros que há são postos na sombra pela política. De sorte que esta crise me parece a pior - e sem cura.”



Eça de Queirós, in “Correspondência” (1891)



“ … somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados … “



“Diz-se geralmente que, em Portugal, o público tem ideia de que o Governo deve fazer tudo, pensar em tudo, iniciar tudo: tira-se daqui a conclusão que somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser tutelados, indignos de uma larga liberdade, e inaptos para a independência. A nossa pobreza relativa é atribuída a este hábito político e social de depender para tudo do Governo, e de volver constantemente as mãos e os olhos para ele como para uma Providência sempre presente.”



In “Citações e Pensamentos” de Eça de Queirós».



José Maria de Eça de Queirós



Povoa de Varzim - 25 de Novembro de 1845



10 comments:

© Piedade Araújo Sol (Pity) said...

Eça
no seu melhor, tantos anos depois e sempre actual.
beijo

greentea said...

Piedade
se tivesse sido escrito hoje nao era mais verdadeiro !!!

© Piedade Araújo Sol (Pity) said...

também acho.

um beijo

Justine said...

Até impressiona como os textos poderiam ter sido escritos agora!

greentea said...

Piedade

pois é. como se tivesse escrito hoje

greentea said...

justine

talqualmente, até incomoda o paralelismo entre o hoje e o sec XIX

a d´almeida nunes said...

Não há maneira de aprendermos com os ensinamentos da história.

Mas o Homem é esta besta que desde os escribas da antiguidade até aos grandes escritores contemporâneos não se cansam de nos caraterizar.
Só teríamos de nos esforçar um bocadinho mais e evocar a história para fazermos opções de vida que valha a pena. Opções que não nos tragam, ciclicamente, amargos de consciência por não termos a argúcia suficiente para escolhermos devidamente os nossos representantes na área do Poder.

greentea said...

as-nunes
acho que o problema não está apenas nos governantes que se possam ter escolhido aqui em Portugal. há uma intenção mais vasta, mais "subtil" que ultrapassa as n/fronteiras e até mesmo as da Europa para reconverter a democracia, a economia e até a própria politica e os politicos. E nestes , acho que já ninguém acredita neles.

antonio Gallobar said...

Olá Greentea

Passei para agradecer o comentário interessantíssimo que deixou no Penso... teve a virtualidade de ma ajudar a encontrar trabalhos fantásticos como este, com uma actualidade invulgar, fruto de mentes que estavam muito para lá do seu tempo; não se resista a pedir-lhe mas um dia destes adorava postar este trabalho lá, evidentemente com todos os créditos. Parabens e tenha um bom domingo.

Fique bem!
Gallobar

greentea said...

Penso logo existo

estás à vontade para tirar os posts que entenderes - não são meus...
apenas recolhi os textos aqui e além e pesquisei as fotos que andam na net.
O espantoso é o encaixe perfeito que estes comentários têm nos dias de hoje, quando já foram feitos há uns bons 150 anos!!