Wednesday, July 6, 2011

Lixo, nothing more...


Choque. Escândalo. Lixo. Resignação? Não. Mas sim, lixo, somos lixo. Os mercados são um pagode, e nós as escamas dos seus despojos. Isto não é uma reacção emotiva. Nem um dichote à humilhação. São os factos. Os argumentos. A Moody's não tem razão. A Moody's não tem o direito. A Moody's está-se nas tintas. A Moody's pôs-nos a render. E a Europa rendeu-se.

As causas da descida do "rating" de Portugal não fazem sentido. Factualmente. Houve um erro de cálculo gigantesco de Sócrates e Passos Coelho quando atiraram o Governo ao chão sem cuidar de uma solução à irlandesa (…) Mas depois tudo mudou. Mudou o Governo, veio uma maioria estável, um empréstimo de 78 mil milhões, um plano da troika, um Governo comprometido, um primeiro-ministro obcecado em cumprir. Custe o que custar. Doa o que doer. Nem uma semana nos deram: somos lixo.

As causas do corte do "rating" não fazem sentido: a dificuldade de reduzir o défice, a necessidade de mais dinheiro e a dificuldade de regressar aos mercados em 2013 estão a ser atacadas pelo Governo. Pelo País. Este corte de "rating" não diagnostica, precipita essas condenações. Portugal até está fora dos mercados, merecia tempo para descolar da Grécia. Seis meses, um ano.

Só que não é uma questão de tempo, é uma questão de lucro, é uma guerra de poder (…) muitos investidores venderão muitos activos portugueses (…) hoje todos os nossos activos se desvalorizam. As nossas empresas, bancos, tudo hoje vale menos que ontem. Numa altura de privatizações. De testes de "stress". Já dei para o peditório da ingenuidade: não há coincidências. Hoje milhares de investidores que andaram a "shortar" acções e dívidas portuguesas estão ricos. Comprar as EDP e REN será mais barato. Não estamos em saldos, estamos a ser saldados. Salteados.

Portugal foi um indómito louco, atirou-se para um precipício, agarrou-se à corda que lhe atiraram. Está a trepar com todas as forças, lúcido e humilde como só alguém que se arruína fica lúcido e humilde. Veio a Moody's, cuspiu para o chão e disse: subir a corda é difícil - e portanto cortou a corda.

Tudo isto não é por causa de Portugal, é por causa da guerra entre os EUA e a Europa, é por causa dos lucros dos accionistas privados e nunca escrutinados das "rating". Há duas semanas, um monumental artigo da jornalista Cristina Ferreira no "Público" descreveu a corrosão. Outra jornalista, Myret Zaki, escreveu o notável livro "La fin du Dollar" que documenta o "sistema" de que se alimentam estas agências e da guerra dólar/euro que subjaz.

Ontem, Angela Merkel criticou o poderio das agências e prometeu-lhes guerra. Não foi preciso 24 horas para a resposta: o aviso da Standard & Poors de que a renovação das dívidas à Grécia será considerado "default" selectivo; a descida de "rating" da Moody's para Portugal.

Estamos a assistir a um embuste vitorioso e a União Europeia não é uma potência, é uma impotência. Quatro anos depois da crise que estas agências validaram, a Europa foi incapaz de produzir uma recomendação, uma ameaça, uma validação aos conflitos de interesse, uma agência de "rating" europeia. Que fez a China? Criou uma agência. Que diz essa agência? Que a dívida portuguesa é A-. Que a dívida americana já não é AAA. Os chineses têm poder e coragem, a Europa deixou-se pendurar na Loja dos Trezentos... dos americanos.

Anda a "troika" preocupada com a falta de concorrência em Portugal... E a concorrência ente as agências de "rating"? Há dois dias, Stuart Holland, que assinou o texto apoiado por Mário Soares e Jorge Sampaio por um "New Deal" europeu, disse a este jornal: é preciso ter os governos a governar em vez das agências de 'rating' a mandar.

Não queremos pena, queremos justiça. A Europa fica-se, não nos fiquemos nós. O Banco Central Europeu tem de se rebelar contra esta ditadura. Em Outubro, o relatório do Financial Stability Board, que era liderado por Mário Draghi, aconselhava os bancos e os bancos centrais a construírem modelos próprios para avaliarem a eligilibidade dos instrumentos financeiros por estes aceites e pôr termo aos automatismos das avaliações das agências de rating. Draghi vai ser o próximo presidente do BCE. Não precisa de acabar com as agências de "rating", precisa de levantar-se destas gatas.

(…) As agências de "rating" são os cangalheiros, ricos e eufóricos, de um sistema ridiculamente inexpugnável.

Excertos do editorial do Jornal de Negócios de hoje)

2 comments:

João Roque said...

Perfeitamente lúcidos e com os quais concordo em absoluto.
Neste momento não se é do partido A ou B: é-se Português!

mfc said...

... estão ao serviço de quem lhes paga!!!
É a independência dos mercados: mercenários!