Saturday, March 26, 2011

contrastes

Olhei-a nos olhos , sorriu para mim...
-Entre, entre. Está tudo desarrumado, desculpe.
Caminhava à minha frente , arrastando os pés com dificuldade, no corredor daquele rés-do-chão de duas assoalhadas.Tem setenta anos e foi Assistente Social, fez uma licenciatura, mas diz-me não saber preencher aqueles impressos.
Sento-me então naquela sala onde a lareira há muito não se acende, onde é visivel a solidão e o desconforto, o desinteresse por tudo, o alheamento pela vida.
Prencho os tais questionários, Carolina sabe responder a tudo com prontidão, embora algumas contradições sejam evidentes : diz que sobe escadas com facilidade mas no corredor arrasta-se pesadamente; responde que vê bem mas usa óculas de muitas dioptrias, o cabelo deve ter desaparecido faz tempo debaixo do postiço que usa. É divorciada, não me fala em filhos, familia, amigos ou vizinhos.
Agradece a ajuda e acompanha-me à porta com o mesmo passo arrastado. Despedimo-nos como se cumprissemos um ritual, sem alegria nem tristeza. Um adeus para sempre sem mágoas nem euforias.

Comparo - a com Luisa. Divorciada também , vivendo só, num 6º andar .
Confessa não saber preencher os impressos e pede-me ajuda. Tinha acabado de chegar a casa e estava a comer qualquer coisa na cozinha. Sentámo-nos na sala , irrepreensivelmente limpa e arrumada, com gosto, com simplicidade.
-Eu só fiz a 2ª classe, que no meu tempo os pais não nos queriam na escola.
Está na casa dos cinquenta, tem um aspecto ainda jovem e carinhoso. Fala-me do filho que perdeu com nove meses, fala dos outros 3 filhos, do ex-marido , do companheiro que um dia mandou embora de casa. Vive sozinha , agora. Mas tranquila. Mudou de casa, fechou as marquises. Largou o emprego e abriu um café/pastelaria. Passa lá os dias, chega a casa noite adentro. Com alegria, com força de viver.
Ficamos a conversar, quando damos conta são 11h da noite ! Por ela ,ficaria ali a noite inteira.
Despedimo-nos efusivas. Pergunto-lhe onde é o tal cafezinho para ir lá visitá-la. Gostei de a conhecer, sem dúvida.

Não posso deixar de fazer comparações entre estas duas mulheres : uma quase analfabeta, tirou a carta de condução, comprou carro e casa sem apoios e conduz a sua própria vida; a outra, sendo Assistente Social precisa que cuidem dela, que a ajudem , que a orientem...

Sunday, March 20, 2011

censos 2011

Participar no Censos 2011 é conhecer um Portugal totalmente diferente daquilo que as imagens de televisão mostram, daquilo que é contado nos jornais, do que vai na mente dos nossos gestores públicos, comodamente sentados no conforto das suas secretárias, ao abrigo da intempérie. Seja ela qual fôr.
É andar na rua , de dia e de noite, subir dez e doze andares a pé para distribuir questionários e códigos de internet, descer às caves e subcaves, é dialogar com a PSP ou a GNR, quando aparecem falsos recenseadores a querer extorquir dinheiro fácil às crianças ou idosos mais incultos. É conversar com as pessoas que nos atendem , dar uma palavra de conforto e de carinho a quem está só ou desesperado (pode ser aquela senhora a quem cortaram o subsidio de desemprego e perdeu uma lente de contacto de 20 dioptrias... que custa para cima de 200 euros!), conhecer os prédios onde essas pessoas vivem, a degradação das casas, o cheiro, a falta de luz e/ou de comida...
Só não vê quem não quer.
Mas mais . É apercebermo-nos que a maioria das pessoas não está ainda em casa nem às 21 h nem às 22h , que não vê TV porque nem sequer a tem, porque trabalha de noite ou em turnos num qualquer hipermercado. É visitar uns 50 alojamentos por noite e subir uns 30 andares , para os voltar a descer a pé porque o elevador não funciona ou a escada não tem luz. É participar na curiosidade desmesurada de um deficiente que vive só com a mãe numa subcave03. É ser convidado a entrar nas casas mais humildes, mais obscuras, mais bafientas onde vivem oito ou dez pessoas e constatar que são essas pessoas que melhor nos acolhem , nos oferecem um copo de água ou um sumo, nos pedem desculpa por nos receberem em roupão ou pijama.
São raros os que não abrem a porta apesar de estarem em casa e estarem a jantar ou a ver a "bola". Encontro pessoas responsáveis, colaborantes, compreensivos. Estranhamente, também se encontram muitos jovens, muito in, muito fashion, cultura a metro, formação superior (?) mas que recusam o preenchimento por internet.
Ser Recenseador é visitar 455 alojamentos em duas semanas, preencher n questionários com códigos e cabeçalhos ou palmilhar matas e florestas porque supostamente poderá lá habitar alguém. É receber uma insignificância face ao esforço exigido em tempo record. Mas é também o prazer de colaborar num trabalho cívico, de apoio à comunidade, que nos dá a dimensão do país real.
Alguém dizia ontem :
"Depois do
NUNCA MAIS VOLTAREI A SER O MESMO "

POIS NÃO, digo eu !

Thursday, March 10, 2011

A filha mais linda do mundo

Hoje é dia 10 , como há 23 anos atrás. Também é 5ªfeira como nessa outra 5ª feira em que saí de casa cedo, em Magoito, para ir à consulta no hospital D. Estefania.
Já tinha preparado a mala porque o mais certo era não voltar.
O pai estava cá (em Portugal) e levou-me.
A médica viu-me e disse para ir comer qualquer coisa simples e voltar para ficar internada. Despedimo-nos, porque eu quiz ficar sozinha. O Pai voltou para casa.
Nasceste às 23.05, muito simplesmente, muito de repente, com olhos de ver o mundo mirando tudo à tua volta.
Depois levaram-te e só me apareceste na manhã seguinte. Mal te tinha visto. O maqueiro levou-me da sala de partos para o quarto e deu-me leite para beber. Já não era possivel telefonar , não havia telemoveis e eu não tinha dinheiro comigo para pagar a chamada. Já não davam informações e o pai só soube no dia seguinte de manhã. À tarde, veio ver-nos porque de manhã não deixavam entrar visitas... Foi lindo !!!

Fotos para quê?

Thursday, March 3, 2011

Consciencia e tradição Bön

" A tradição Bön afirma que a nossa consciência flui do cérebro para as nossas emoções, sentimentos e pensamentos. Depois, vira-se para o ambiente, onde ilumina as consciências das outras pessoas.

A tradição Bön sugere que a maior parte das pessoas só tem, de facto, pensamentos verdadeiramente conscientes durante cerca de cinco minutos por ano. O resto do tempo é passado a reagir e a compreender as consequências. Os acontecimentos de maior importancia nas nossas vidas, tais como a doença, a perda e a mudança, ofuscam frequentemente o pensamento consciente, enquanto nos esforçamos por dar sentido ao que aconteceu.

A ciencia ocidental faz grandes restrições na compreensão do que é a vida e como esta evolui; contudo, na busca da compreensão, sabedoria e soluções para os problemas do mundo, a consciência foi negligenciada tanto pelos cientistas como pelos politicos."

A Arte Tibetana do Pensamento Positivo - Chistopher Hansard